Street food, comida sobre rodas

Street food, comida sobre rodas
Luis Rato, presidente da Assossiação de Street Food Portugal.

Na Grécia antiga as pessoas comiam na rua pequenos peixes fritos, embora nem todos apreciassem esse hábito. Era o caso do filósofo Theophrastus, discípulo de Aristóteles, a quem o mestre nomeou tutor dos seus filhos. Os gregos foram pioneiros em muitas áreas, da política à filosofia, passando pela arte. Terão sido eles os inventores da street food?

A resposta não é óbvia pois há milhares de anos que a humanidade se habituou a comer na rua, especialmente nas cidades, onde os vendedores estavam em maior número. A street food foi amplamente utilizada por muitos habitantes da Roma antiga, especialmente os mais pobres, cujas casas não possuíam fornos ou lareiras: consumiam sobretudo sopa de grão-de-bico, pão e pasta de grão.

Já no século XIX, a comida de rua na Londres vitoriana incluía tripas, sopa de ervilha, vagens de ervilha em manteiga, búzios, camarões e enguias. E no Japão, o ramen (sopa de noodles), introduzido por imigrantes chineses, começou por ser consumido por trabalhadores e estudantes, mas logo se tornou um “prato nacional” e até adquiriu variações regionais.

A “comida de rua” é um negócio em expansão. Um pouco por todo o lado surgem espaços gastronómicos ambulantes. Funcionam em tendas, carrinhas ou outros veículos que garantem a agilidade necessária para acompanhar um tipo de cliente cada vez mais móvel e com menos tempo para algo tão essencial como alimentar-se. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 2,5 bilhões de pessoas recorrem à street food diariamente.

A mudança foi radical na última década. Dos carrinhos de comida tradicionais passámos a viaturas equipadas com cozinha de tecnologia avançada, cada vez mais sofisticadas. Continuam a existir as tradicionais roulottes e barraquinhas, mas a revolução está a acontecer também aí: está a passar-se do gorduroso para o gourmet.

Na Grã-Bretanha, por exemplo, a street food é actualmente o sector mais vibrante da culinária, com jovens cozinheiros a transformarem menus de restaurantes de qualidade em ementas de preços acessíveis. Carros, reboques e vans vintage apresentam-se como alternativas aos tradicionais estabelecimentos.

Com  efeito,  a  maioria  da street food é mais barata do que a média de refeições de um restaurante. Também é muitas vezes definida como fast food (comida rápida), mas o presidente da Associação de Street Food Portugal, Luis Rato, não concorda, contrapondo com o conceito de “slow food”.

Para o responsável, a comida de rua tem a ver com “veículos bem elaborados, com cozinhas profissionais no seu interior e pessoas empreendedoras e dinâmicas”, onde os produtos e ingredientes são de “altíssima qualidade”.

Luis Rato garante que o negócio da street food em Portugal “está bem e recomenda-se”. “Estamos numa fase de crescimento, cerca de 40% face ao ano anterior”, adianta. E as perspectivas são boas. “Vai continuar a crescer, podendo no prazo de cinco anos atingir os 50 milhões de euros, e cerca de 3.000 postos de trabalho directos”.

De acordo com a Associação de Street Food Portugal existem no país cerca de 100 empreendedores com negócios de street food, e número cresce todas as semanas. A entidade crê que o sector tem um potencial de crescimento de 2,5 milhões de euros e pode trazer novas dinâmicas às áreas de restauração e bebidas.

A associação nasceu em 2015 para defender os direitos dos profissionais, representá-los em Portugal e no estrangeiro, promover o street food nacional e ajudar a desenvolver o sector. Outra das prioridades foi mostrar a importância desta forma de negócio para o desenvolvimento económico e para a promoção do empreendedorismo e do auto-emprego. Tratava-se de combater algum preconceito – que ainda existe – em relação à street food, “uma realidade que muitos não querem reconhecer, mas que está para ficar”.

O investimento em street food é mais baixo quando comparado com o de um restaurante. O belga Hakim Fatri, um dos empreendedores autorizados, em 2016, a montar um negócio de comida de rua no Porto (ver artigo na página 42), gastou 10.000 euros na compra da carrinha e mais 2.000 nos ingredientes para as waffles que vende e nas contas da luz, água e licença.

O retorno também é mais rá- pido, mas quem vive da street food tem que ser, na maioria dos casos, um nómada – cerca de 85% dos negócios vivem de eventos, como festivais de Verão e romarias. Apenas 15% conseguiram posições fixas, revela a Associação de Street Food Portugal.

A street food apresenta diferenças de país para país, explicadas, sobretudo, por questões culturais.  Nas  Filipinas,  por exemplo, comer “a céu aberto” é visto como normal, visto que em casa não há um espaço específico para jantar. No Havai, a forma mais tradicional de street food é o “Prato do Almoço ” (arroz, macarrão salada e uma porção de carne) e foi inspirado no bento dos japoneses que haviam sido levados para este estado norte-americano como trabalhadores das plantações.

A comida de rua é, tradicionalmente, um negócio familiar, mas na região de Dar es Salaam, na Tanzânia, a venda ambulante de alimentos estimulou a proliferação de jardins urbanos e fazendas de pequena escala. Em Nova Iorque, o rápido crescimento da cidade está associado ao street food, adequada ao ritmo agitado de quem nela vive – nos Estados Unidos são vários os exemplos de mobilidade ascendente: vendedores que começaram nas ruas e acabaram por abrir as suas próprias lojas.

Ali ao lado, no México, o aumento de vendedores de rua tem sido visto como um sinal de agravamento das condições económicas, quando esta se torna a única oportunidade de emprego para os trabalhadores não qualificados que migraram das áreas rurais para as cidades.

A segurança alimentar é um dos desafios que qualquer negócio relacionado com comida enfrenta, e a street food não foi excepção. Mas mesmo em países pobres a situação mudou muito nos últimos anos. Em 2002, uma amostra de 511 alimentos de street food feita no Gana pela Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrou que a maioria tinha contagens microbianas dentro dos limites aceites. Em Calcutá, na índia, uma amostra de 15 alimentos de rua mostrou que eram “nutricionalmente equilibrados”, fornecendo cerca de 200Kcal de energia por uma rupia (0,01 euros).

A formação tem sido importante. No Reino Unido, a Food Standard Agency (FSA) disponibiliza guias de segurança alimentar aos vendedores, comerciantes e demais retalho do sector de street food. Na China, Índia e Nigéria, três dos mercados com maior crescimento nos últimos anos, a multinacional Coca-Cola ofereceu formação e equipamento para os comerciantes que venderem os seus produtos. Um dos objectivos da Associação de Street Food Portugal é, precisamente, aumentar a qualificação dos profissionais e assim contribuir para desenvolver produtos de maior qualidade.

Diversas organizações internacionais, entre as quais a ONU, reconhecem há vários anos que a street food é um método eficaz na entrega de alimentos às populações, daí que em 2007 esta última tenha mesmo recomendado a adição de nutrientes e suplementos para alimentos de rua, considerando que este tipo de alimentação é a mais consumida actualmente.