Rui Zink na primeira pessoa

Rui Zink na primeira pessoa
Fotografia: Clément Puippe e Edite Correia

Conheci o Rui Zink pela pri- meira vez através da emissão A noite da Má Língua (de 1994 até 1997 na SIC). Gostou de fazer este programa?

Foi muito divertido. Muitas vezes perguntam-me porque é que o programa não volta. Eu digo para falarem com o tio Balsemão ou com o tio Belmiro, para falarem com o governo. Gosto de viver em Portugal porque é um pais pacífico. Ninguém me deu um tiro. Quando eles me querem calar a única coisa que fazem é desligar-me o microfone.

O que posso dizer é que de facto é curioso haver tanta saudade com essas pessoas juntas nesta emissão A Noite da Má Língua. Essas pessoas estão vivas, andam por aí e a ninguém ocorre juntá-las. Basicamente todos estamos a fazer a nossa vida, eles não nos prenderam mas puseram-nos a fazer coisas com menos liberdade. Todos nós somos ainda muito amigos. Temos contactos e quando não temos contactos temos saudade. A Júlia Pinheiro era profissional de televisão. É uma operária da televisão, sempre lhe disse isso. O Miguel Esteves Cardoso faz a sua vida e continua a escrever para o jornal Público. O Manuel Serão é um excelente empresário, continua a fazer as suas feiras de moda, continua a sua atividade profissional e participa uma vez por semana num programa sobre futebol, muito divertido.

As escolhas de Rui Zink: citação, teatro, filme, livro

Uma citação que deu cabo da minha vida. O meu avô que vinha de Malpica do Tejo e passava a vida a repeti-la: Homem de um só parecer, dum só rosto e duma só fé, ele tudo pode ser, mas da corte homem não é – Sá de Miranda – século XVI. É uma espécie de mote da família.

Estamos no tempo em que as pessoas querem tudo. Ou seja o homem mais rico de Portugal neste momento, o dono do Pingo Doce, não só quer ser o homem mais rico mas ainda quer ser o grande filosofo, agora já dá lições de moral aos outros todos. Já diz como ele quer Portugal.

Eu sou omnívoro, como tudo o que vem. Leio muitas coisas e tudo me interessa.

Ultimamente vi “Menino de sua avó”, uma peça de teatro com Maria do Céu Guerra sobre a avó louca de Fernando Pessoa. Gostei muito da peça, o teatro estava cheio. No caso da Maria do Céu Guerra e de Hélder Costa a falta de apoio é flagrante. Eles são figuras históricas da cultura em Portugal. O apoio deles foi cortado. O teatro “A Barraca” está com problemas reais. O teatro exige um público, uma sociedade livre. E em Portugal a sociedade foi sempre fraca.

Eu cresci a ver os filmes de Bergmann e de Fellini. Eu vi o trailer do filme “Tal Pai, Tal Filho” do realizador japonês Kore-eda Hirokazu.

Gosto muito dos melodramas japoneses. Duas famílias que não se conhecem dão à luz ao mesmo tempo dois filhos. E aos seis anos de idade apercebem-se que os bebés foram trocados à nascença. E agora por quais laços optar: os laços de sangue ou os laços de amor. A resposta não é obvia. Duas pessoas juntas não têm o mesmo interesse, têm conflitos. Os filmes japoneses têm uma estética própria. Eu como português gosto muito dos filmes japoneses. Somos como eles, uma sociedade do silêncio. Somos capazes de superar uma coisa da qual não gostamos e um tempo depois dizer “eu não gostei mas não quis dizer”.

Gosto muito de um jovem autor promissor Valério Romão, o seu último romance “O da Joana” que se desenrola num hospital com uma mãe a dar à luz um nado-morto.

Texto original de Clément Puippe e Edite Correia.