Selvagens: uma "pérola do Atlântico"

Selvagens: uma "pérola do Atlântico"
Fotografia: D.R.

Um dos últimos lugares imaculados dos oceanos fica em Portugal, mais precisamente nas Selvagens, duas peque­ nas ilhas do arquipélago da Madeira. Neste local onde não há árvores nem homens, a não ser vigilantes da natureza, mais de 30 mil casais de cagarras nidificam em terra firme. É a maior colónia mundial da espécie, que em 1971 estava em declínio. As comunidades piscatórias da Madeira faziam campanhas sazonais para recolher as crias anualmente matavam até 20 mil juvenis -, cujas penas vendiam para o fabrico de colchões em Inglaterra. Nesse ano, o Estado português comprou as ilhas e classificou-as como reserva natural, o que serviu para proteger a cagarra e, em consequência, todo o ambiente subaquático. Hoje em dia, veem-se peixes de grande porte, como garoupas e lírios, os primeiros a desaparecer quando há impactos significativos, e os ouriços-do-mar são raros, o que quer dizer que há peixes que os comem em número suficiente e que a pesca não é excessiva.

Os dados são de um estudo feito recentemente pela National Geographic Society, que visitou as ilhas e elaborou um documentário que conclui que este ecossistema marinho se mantém globalmente saudável. "Por todo o lado, vimos grandes meros. Isto é algo que quase já não se vê, infelizmente, na maior parte do litoral europeu ou mesmo em ilhas vizinhas", nota o biólogo português Emanuel Gonçalves, um dos dez cientistas que participaram na expedição desse projecto, intitulado Mares Pristinos.

No entanto, os especialistas alertam para a quase ausência de grandes atuns e caçadores, predadores de topo da cadeia alimentar, como os tubarões. Durante a expedição viram apenas um, além de golfinhos e baleias. Por isso, defendem o alargamento da área marinha protegida para pelo menos 124 mil hectares, em vez dos actuais 9.174, que abrangem apenas 200 metros de profundidade. Essa zona protegida funciona como um tampão onde é proibido pescar, mas à sua volta rapidamente se atingem grandes profundezas. "A expansão da reserva natural à volta das ilhas seria uma oportunidade excelente de proteger um ecossistema único no Atlântico Norte", frisam os cientistas.

Por ano, só algumas centenas de pessoas visitam as Selvagens, a maioria em iates, e a ida a terra requer autorização do Serviço do Parque Natural da Madeira. Ainda assim, e como nota a equipa da National Geographic, persistem ameaças: navios de pesca perto da reserva, pesca ilegal na área protegida e muita poluição. "Em 85% das amostras de águas recolhidas à volta das Selvagens havia mioplásticos", conclui o relatório do Mares Pristinos. Outro problema são os navios naufragados, cujos destroços ameaçam o ambiente marinho. É o caso do Cerno, o petroleiro de bandeira norueguesa que em 1971 se aproximou demais das ilhas para lavar ilegalmente os tanques e afundou no recife entremarés da Selvagem Pequena. Nesse mesmo ano, outro petroleiro, o Morning Breeze, naufragou na Selvagem Grande. "É provável que destroços de navios e/ ou derrames de petróleo tenham tido efeitos devastadores e a longo prazo no ecossistema marinho costeiro", alertam os cientistas. Apesar de todos os problemas, alguns iguais aos de outras áreas marinhas portuguesas, a equipa saiu animada das ilhas. "Temos um sentimento de confiança ao deixarmos este lugar, dada a sua condição fantástica".