O violino do Titanic e outras 600 histórias de música

O violino do Titanic e outras 600 histórias de música
Fotografia: Museu da Música Mecânica

O Museu da Música Mecânica, no concelho de Palmela, guarda mais de 600 instrumentos de música mecânica, alguns muito raros. E quase todos funcionam!

Imagine uma caixa de música com que brincava em criança, mas muito maior, tão grande que lá dentro cabem mais de 600 instrumentos, entre órgãos, pianos mecânicos, relógios musicais, autómatos, fonógrafos e muitas outras peças. É assim o Museu de Música Mecânica, no concelho de Palmela, um dos espaços culturais mais ricos e diferenciadores do país.

Ainda cá fora, no alçado principal há uma concavidade que faz lembrar as campânulas dos fonógrafos e gramofones – é ela que assinala a entrada do edifício. Imergimos então num mundo antigo, voltamos ao tempo das máquinas que reproduziram o som e gravaram a voz humana pela primeira vez. Como reagiram as pessoas ao ouvir? “Serão músicos invisíveis?”, terão perguntado, deslumbradas com a nova tecnologia.

Há caixas de música que nos fazem sonhar, regressar ao tempo da infância. O som é mágico, agora como há cem anos, o objecto também: cada pormenor fascina, só de olhar. De 1930 há uma máquina de escrever que não escreve mas faz melodias. Mais adiante está uma gaiola com dois pássaros que cantam alternadamente enquanto mexem a cabeça, o bico e a cauda. O som provém de foles que se movimentam por força de uma mola.

Os órgãos de fole são vários, de rua, salão, barbarie ou realejos, accionados por cilindro ou cartão perfurado. O mais sublime é um órgão de tubos de 1900, construído em Paris pela fábrica dos irmãos Limonaire – é um instrumento pneumático em que o ar, produzido por foles, é canalizado para os tubos de madeira, que emitem a melodia através de bandas de cartão perfurado. Não é só uma máquina, é uma peça de arte. O mesmo pode dizer-se das grafonolas, como a que os Jeovás usavam na década de 30, ou o modelo feito de propósito para os soldados americanos durante a 2ª Guerra Mundial. Deparamo-nos então com um Violino Mills, belo instrumento que combina a melodia do piano e do violino. Poderia passar despercebido, não fosse a história: um exemplar como este estava destinado ao salão de dança do Titanic, quando o navio chegasse à América, no longínquo ano de 1912. É uma das poucas peças movimentadas por corrente eléctrica, a maioria funciona através de sistemas exclusivamente mecânicos. Nalgumas é preciso dar corda, noutras manejar a manivela continuamente.

 

Dos 250 euros aos milhares…

Um piano e, por cima dele, acordeão e tambores. Estranhamos, pois claro, mas de imediato entranhamos o som do Seybold, agradecendo ao senhor francês que inventou tal coisa. Igualmente sublime é o Eureka, um gramofone de criança fabricado em 1903 na Alemanha. Tocava discos de cera. No ano seguinte, uma marca belga escolheu-o para fazer publicidade aos seus chocolates Stollwerk: estes eram apresentados em forma de disco onde podiam escutar-se pequenas canções. Embalados pelo aparelho, os mais novos estariam mais dispostos a comer os doces…

Ainda mais antigo é o Gramofone Berliner, famoso por estar associado à imagem do cão Nipper. Quando o dono do animal faleceu, em 1887, deixou a um dos irmãos o gramofone com um disco gravado com a sua voz. Sempre que este tocava, o cão punha-se à frente da campânula, como que reconhecendo a fala do antigo dono, o que deu origem à marca inglesa His Master’s Voice. Pelo caminho encontramos um útil catálogo ilustrado, que além das imagens dos mais de 600 instrumentos, descrevendo a sua construção e origem, traz um disco com o som de 50 máquinas diferentes. Gostemos ou não da melodia, facilmente percebemos o valor de cada uma destas peças, distribuídas ao longo das cinco galerias expositivas do museu. As mais antigas são de finais do século XIX, os mais recentes de meados do século XX. E quase todas funcionam! Luís Cangueiro, o homem que está por trás de tudo isto, adquiriu-as ao longo de 30 anos em várias partes do mundo, a maioria em antiquários especializados na Europa.

É uma história de paixão pela música, a música mecânica. Pelos instrumentos mais baratos, as grafonolas, pagou 250 a 300 euros, pelos mais caros chegou aos milhares. A ideia de criar um museu surgiu em 2001, mas em 2012 as peças ainda estavam guardadas em duas garagens. O espaço icónico, projectado pelo arquitecto Miguel Marcelino, abriu portas a 4 de Outubro de 2016. Fica situado na localidade de Arraiados, freguesia de Pinhal Novo, numa propriedade do próprio coleccionador. Neste projecto, tudo é privado.

Com uma área de 1.200 m2, o museu inclui, além da zona expositiva, um auditório, uma sala multiusos e uma sala documental, que reúne uma importante bibliografia temática, documentação de época e milhares de fonogramas. Há ainda uma loja e uma cafeteria, apta a receber exposições, espectáculos, conferências, festas de aniversário e outros eventos de culturais, educativos e/ou de lazer.

A riqueza do Museu de Música Mecânica valeu-lhe um lugar na lista de eventos oficiais do Ano Europeu do Património Cultural. Poucos serão os espaços onde podemos fazer uma visita na companhia do próprio coleccionador. Aqui é possível, aos sábados e domingos, a partir das 15:30. Ouviremos então Luís Cangueiro contar a história destas máquinas e, pelo caminho, a sua história também, porque as duas serão indissociáveis, adivinhamos…

O único instrumento português

O som é pouco atractivo, mas vale pela raridade: é a única peça mecânica de origem portuguesa. Trata-se de um harmónio construído no final do século XIX, de modo completamente artesanal, por Raymundo José Lagoas, professor primário de Tavira. O docente criou o instrumento musical entre Janeiro e Março de 1894, tendo posteriormente substituído três das sete composições iniciais, a última em 1934.