Entre a utopia americana e a tensão racial, assim é a música no Porto Post Doc 2020

Entre a utopia americana e a tensão racial, assim é a música no Porto Post Doc 2020

Cinco filmes sobre a música e o seu impacto no mundo em redor compõem a programação do Transmission, secção dedicada a olhar algumas das principais tendências do universo musical que, este ano, terá pela primeira vez um prémio. A crónica sobre os movimentos do Soundcloud Rap, o ritmo que marca as ruas de Baltimore, os processos criativos dos referenciais KLF, a ignição social e política levantada pelo movimento Rock Against Racism e a vida e obra do já menos desconhecido José Pinhal são as histórias que ocuparão a salas entre os dias 20 e 29 de Novembro na edição 2020 do Porto/Post/Doc.

Ainda no campo da música, e a marcar a sessão de abertura do festival, a estreia nacional de David Byrne's American Utopia, filme de Spike Lee baseado no disco e concerto de David Byrne. A fechar o evento, mais uma estreia a olhar temas quentes do hoje, MLK/FBI: obra realizada por Sam Pollard que segue Martin Luther King Jr. enquanto este é alvo de uma investigação com laivos de perseguição pela instituição policial americana. 

É um dos nomes mais incontornáveis da música dos últimos 40 anos. Como fundador dos eternos Talking Heads, a solo ou nas múltiplas colaborações com que continuamente reinventa aquilo que faz, David Byrne tem vindo a alimentar um corpo de trabalho que cruza gerações, formatos e áreas artísticas. Em American Utopia, projecto que nasce como um disco em parceria com Brian Eno mas que cedo cresce para um multiverso de colaborações com nomes como Oneohtrix Point Never ou Sampha, volta a entregar-nos uma obra com raízes no mundo. Muito em linha com o seu projecto Reasons to be Cheerful, American Utopia parte das histórias e momentos de dia-a-dia, instando-nos a repensar a forma como vemos o que nos rodeia e a restabelecer a nossa confiança com a humanidade. O filme, aqui em estreia nacional, acompanha o espectáculo de apresentação do disco na Broadway, pela lente de Spike Lee. 

Ainda no solo americano, American Rapstar faz o desenho da mais disruptiva geração de rappers dos últimos anos. Nascidos no ambiente digital, entre o Soundcloud e as redes sociais, nomes como Lil Peep, Bhad Bhabie, Lil Xan e Smokepurpp tornaram-se em verdadeiros ícones de uma geração pós-trumpiana, chocando o mundo com os seus comportamentos e ideias ambíguas, o consumo assumido de drogas legais, as tatuagens faciais e a energia punk. Neste documentário da autoria de Justin Staple ouvimos o que estes novos milionários têm a dizer sobre a cultura jovem de hoje e o futuro da economia de música em streaming. Do digital para as ruas com Dark City: Beneath the Beat, documentário produzido pela cantora e produtora TT The Artist que tem como foco central a cultura clubbing de Baltimore. Co-produzido por Issa Rae (Insecure), a longa propõe uma experiência audiovisual que, cruzando a linguagem documental e o music video, perfila a forma como esta cena musical se constrói a partir da comunidade local, das relações de proximidade e do clima social de Baltimore. É também sobre comunidade que falamos em White Riot, um dos filmes musicais obrigatórios de 2020. Dirigido por Rubika Shah, o documentário mistura entrevistas actuais com imagens de arquivo para recriar o ambiente de histeria anti-imigração e marchas da Frente Nacional vivido em Inglaterra nos anos 70 e a forma como o movimento Rock Against Racism se assumiu como um dos principais pontos de resistência contra a disseminação de ideários fascistas. 

Território imenso para a criatividade, a música habita-se, ao longo da sua história, de personagens e figuras que rompem barreiras, testam limites e movimentam paixões. Será neste universo inspirativo que encontramos os dois últimos filmes do Transmission. De um lado os incontornáveis KLF, banda seminal do movimento acid house, é-lhes atribuído lugar de destaque na forma como pensaram a música como espaço performativo e pertence-lhes ainda um dos mais mediáticos e controversos momentos da música mundial, quando em 1994 queimaram 1 milhão de libras esterlinas. Em Welcome to the Dark Ages, duas décadas anos depois de terem abandonado aquela que era uma promissora carreira na música pop, reencontramo-nos com o seu universo bizarro-criativo, acompanhando-os no seu novo projecto: a criação de uma pirâmide com as cinzas de seus fãs. Do outro, e olhando o território nacional, A Vida Dura Muito Pouco - Celebrando Obra de José Pinhal, Dinis Leal Machado, filme sensação que acompanha um movimento de recuperação e divulgação do trabalho de José Pinhal, músico ligeiro que tem inspirado uma nova geração de ouvintes, produtores e músicos portugueses.

Nota final para  MLK/FBI, filme que lança nova achas para a tensão e discussão vivida entre as forças de segurança norte-americanas e a comunidade negra do país. Um documentário tenso que tenta abrir novas luzes sobre a forma como o FBI serviu como ferramenta de uma campanha do poder estabelecido com as ideias e acções de Martin Luther King, através de uma perseguição que pretendia que, ao tentar retratá-lo como um adultero, visava enfraquecer a autoridade de King como líder.

As novas confirmações juntam-se ao já anunciado programa especial de filmes e conversas A Cidade do Depois. O Porto/Post/Doc regressa entre os dias 20 e 29 de Novembro em duplo formato: sessões em sala no Rivoli, Passos Manuel e Planetário do Porto, e uma programação paralela em VoD na plataforma Shift72. A programação total do evento será revelada nas próximas semanas. Mais informações podem ser consultadas em https://www.portopostdoc.com.

O Porto/Post/Doc é realizado em parceria com a Câmara Municipal do Porto, contando com o apoio do Ministério da Cultura e do Instituto do Cinema e Audiovisual e o mecenato da Fundação “la Caixa”/BPI.