UÁDI: O som da terra que resiste

UÁDI, o novo single de RAIA (projecto solo do músico alentejano e raiano António Bexiga), nasce de um gesto simples — o escutar da chuva no Alentejo — mas carrega em si uma metáfora profunda e urgente. É uma peça que fala da terra, do ciclo da água, da força silenciosa da natureza. Mas, sobretudo, é um som que nos convoca a reflectir sobre o que está a mudar.
Num tempo marcado pelas alterações climáticas e pelo aquecimento global, UÁDI oferece-nos uma imagem ancestral: o leito seco de um rio que, com a chuva, volta a encher-se de vida. Este renascimento natural, que há séculos molda paisagens e ritmos de vida, torna-se agora um acontecimento incerto.
O uádi — palavra de origem árabe que nomeia os rios sazonais do sul — é, por isso, símbolo e aviso. Recorda-nos que a natureza tem uma impressionante capacidade de regeneração, mas também que há limites para essa resiliência. A terra sabe renascer, mas depende do nosso cuidado. Cada ciclo quebrado, cada estação que se desloca, cada chuva que não chega, é uma ferida no corpo do planeta.
UÁDI é uma proposta de escuta. É um acto de atenção e de memória.
Em UÁDI, peça para viola campaniça, com percussão, loops e objectos, António Bexiga constrói um espaço sonoro onde o tempo da natureza volta a marcar o compasso. A música torna-se território, e o território torna-se política do sensível.
Neste single, o céu cinzento é um bom presságio. A chuva é bem-vinda. A água ainda pode correr. E com ela, a possibilidade de um mundo que renasce.
O Videoclipe
No videoclipe de UÁDI, realizado por Cristina Viana, a narrativa visual acompanha a própria essência da música: a metamorfose da paisagem e do ser. À medida que os sons da viola campaniça se desdobram em camadas orgânicas e pulsantes, RAIA — figura solitária, humana, de terra — começa a transformar-se. A pele funde-se com o solo, os gestos tornam-se raízes, e o corpo dissolve-se até se tornar floresta. Esta transformação não é apenas simbólica: é a afirmação de que o ser humano faz parte da natureza e, como ela, tem o poder de se regenerar, adaptar, florescer. O vídeo traduz, com delicadeza e força, a ideia de que mesmo num tempo de escassez e incerteza, há sempre uma possibilidade de renascimento — desde que sejamos terra, desde que sejamos floresta.
Créditos:
Composição: RAIA [António Bexiga]
Viola campaniça, loops, percussão e objectos sonoros: RAIA [António Bexiga]
Gravação, mistura e masterização: Nélson Canoa, no Canoa’s Studio (Torres Vedras)
Realização, animação e edição do videoclipe: Cristina Viana
Sobre RAIA
RAIA é o projecto solo de António Bexiga, músico, compositor e produtor alentejano, com uma carreira marcada pela experimentação sonora e reinvenção de tradições musicais portuguesas. Através da viola campaniça e da manipulação de sons orgânicos e electrónicos, RAIA propõe uma linguagem musical que habita entre o passado e o futuro, entre o som da terra e o eco das fronteiras.